Danilo Barcelos

O autor nasceu em Belo Horizonte em 1981. É poeta e contista. Publicou  os livros de poemas Barulho Branco (2006) e Tear de ondas (2012), este em plataforma digital. Participou da coletânea de contos Sombras (2007) com o conto O espelho. Tem textos publicados em antologias de poetas e contistas brasileiros, revistas eletrônicas de poesia e literatura, dentre elas a Mallarmargense o Blog da Confraria. Organizou um livro sobre teatro cômico e recepção com as professoras Ester Abreu e Mirtis Caser, intitulado O sorriso de persona (2014). Pensa que a atividade poética é uma prática de pensamento e busca, com seus poemas, exercer essa prática, entendendo que a Literatura tem o poder de inaugurar uma relação nova com o pensar, graças à sua capacidade criativa. Além da atividade de escritor, Danilo Barcelos é Doutor em Letras (UFES) e Professor de Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e desenvolve pesquisa na área dos Estudos Literários, com ênfase na importância da poesia como forma de saber. Atualmente, reside em Januária-MG.

“Pasmo, espanto, prazer me tomaram imediatamente. O que via diante de mim era um texto pronto e publicável, e, mais do que isso, uma experiência de leitura absolutamente nova.” (Leopoldo Comitti é poeta, ensaísta e escritor)

Fragmento da obra é corpo seu norte do poeta Danilo Barcelos.

a contraposição das marés 

I

é fim de noite e
guardo o meu segredo que diria em quinta sinfonia
rompendo as cores dos astros

tudo em mim agora pleno e indefeso
como a planta
o algodoeiro
e tudo carrega a cor que avança céu a fora,
sem medo das curvas
e das sombras.

à deriva,
ando em desatino neste mar,
nesta casa.

há vontade na cor da verdade camuflada.
há o corpo,
sua pele
para dependurar na janela,
na parede.

há a pele da pele
e o que há nela de sal,
e o calor do sal em outro ponto,
em um corpo de fantasma,
meu futuro
seu futuro
e este espectro nosso
reflexo de só.

gostar.

na luz de inverno,
corpos de silêncio tomarão toda a casa,
na distância em que está – ultramarina – ,
além das minhas mãos, onde velho vento trouxe o acaso,
a lembrança do mar,
a pele jovem que, saindo do transe, salta nos lençóis
nesta manhã.

mas no hoje vasculho este redemoinho cheio
e se levanta dele
outro movimento de dança sem sapatos
e tanta sombra
tantas unhas
vêm da hora infortuna de lembrar que somos.
somos como as coisas do mundo
distribuídos em mãos úmidas além das portas do olhos.

II

como quem baila
com a ausência
em passo terminado
e a perna é contínua
no ar em arpejo pleno
desdobra-se a catástrofe de sentidos
e seu salto é o precipício primeiro
voando eterna no caos dos contentados
como se ouvisse
o leve dedilhar de outro estribilho

 

Sobre o livroé corpo seu norte, livro de poemas, pensa o corpo em seus muitos desdobramentos possíveis. O corpo é trem, casa, rio, viagem, linguagem, palavra, movimento, povo. Está no eu e no outro, em seus contatos diários, na busca por uma possibilidade de sensação capaz de trazer um sentido para seus múltiplos estados e usos. Imagem e som, o corpo se desdobra, quer outros sentidos, e amplia sua possibilidade imagética à medida que se aproxima do outro, presentificando-o e fazendo com que ele participe da experiência poética ao aproximá-lo do eu que, atento, busca via metáfora pensar tais significações. Nesse pensar o corpo (seus contatos com a existência, seus choques de sentido que provocam e desconstroem possibilidades significativas), o eu problematiza o jogo de fluidez e solidez próprio das possibilidades poéticas. Dando atenção ao mínimo significativo no poema, o som de uma letra, e a partir dele construindo as metáforas que usa para pensar, o poeta delineia por meio de seu eu poemático, nos poemas deste livro, esse norte possível que é um corpo: lugar ao mesmo tempo de partida e de chegada de sentidos e de flutuações.

é corpo seu norte é um livro de poesia assinado por Danilo Barcelos que propõem o esmerar de uma composição estética sintética, tensa e centrada numa percepção peculiar de uma póiesis multifária e autocrítica de suas articulações sintáticas. Por vezes desvairada, na concepção e trato das imagens não ortodoxas, tratando-as com densidade e uma apropriação ambígua da linguagem, ordenada na precisão das metáforas, que contrariam o prosaísmo da lírica nacional contemporânea. A obra constrói um jorrar de sentidos em imprecação com a funcionalidade usual da comunicabilidade, sem destituir a fluência e a legibilidade da mesma. Notabilizando-se também pela pertinente sensibilidade e emprego dos recursos fônicos.” (Editora Kazuá)