Felipe Garcia de Medeiros

“(…) está vendo, é por isso

ninguém entende meus poemas –
é preciso povoá-lo
puro pacto
privado
entre
o impossível e o nato(…)”

Felipe Garcia de Medeiros nasceu em Imperatriz, cidade maranhense que se estende pela margem direita do Rio Tocantins. Sua infância foi vivida neste estado, a que o rio empresta o nome, para depois residir em Caicó, no Rio Grande do Norte. As lendas e mitos destas regiões podem ter despertado no autor o interesse por mitologia grega, cujos mitos originários quiçá o motivem até hoje em suas criações. Seu arrebatamento definitivo, porém, aparece quando cursa Letras em Natal e descobre a Literatura, a qual dedica reflexões intensas, ao tempo em que cria poemas considerados desregrados e rizomáticos.

Em 2012, publica seu primeiro livro de poemas, Frio Forte e com ele dá início a sua produção poética. A partir dela surgem considerações que faz sobre o ato de escrever. “Quem tem fome? Um crítico interessado/e um leitor ofendido. A poesia não pode se submeter a nenhuma questão exterior – ela não dever ser contida, ela contém e impõe o próprio limite (fonte inesgotável de poesia)”. Que assim seja!

“Você pode criar um poema agora?”

Esta é a indagação dos primeiros versos do poema Você só fala em poesia..

A recente criação de Felipe Garcia de Medeiros é uma produção poética desregrada. Um livro-poema que valida a ideia de que a poesia se transformou na vida, na paixão, no corpo e no habitar do autor.

“Se eu pudesse abrir um buraco no peito
talvez
inundasse tudo”

E inunda… “Escreve como se houvesse dentro de cada ser humano espécie de vazão infindável”, diz o também poeta Rudinei Borges, que prefacia esta publicação da Editora Kazuá.  “A dor do ser em Garcia é a dor da própria palavra que tece o poema”, continua Borges comentando a obra deste leitor de poesia que revela um zelo pela expressão artística e verbal do poema. Seus escritos pressupõem o riazomático, onde o poeta “(…) cria – e cria, não o objeto ou uma concepção, mas uma imagem que se desfaz e refaz na palavra em estado permanentemente latente em nosso espírito”, como ele mesmo nos diz em seu ensaio A Arte Poética.

Esta obra é a descontinuidade traduzida por aquele que se insere na vida contra a estagnação lírica de seu tempo e que se pergunta “Se Poeta, ou Poesia Hoje?”. E como o criador nos convida a participar segredos incontidos em seus poemas: “O poeta captura leitores através de suas imagens/versos e, nesse instante, o arrepio é compartilhado por ambos”.

Sobre o livro: Cápsula é o lírico pelo avesso na era da poesia neobarroca, sem propor o discurso do eu-lírico, mas refletindo as entranhas do criador. Edgar Morin diz que a poesia é autofágica, mune-se na tradição ainda que exercite a versão da “razão durante”, que só existe na invenção e no verso de criação de uma realidade subsistente na poesia.

A leitura dos versos de F.G.M insere-se nessa linguagem pós-surrealista, na atualização do esperpento espanhol, fluindo na associação livre das imagens pelo discurso descontínuo, numa linguagem sem compromisso com o convencional. É teatralização de um imaginário livre, prismático, a ruptura da função da linguagem denotativa, pragmática, o oposto do utilitarismo da literatura beletrista.

Deleuze vê o neobarroco como o reflexo da ambiguidade da identidade cultural contemporânea, neobarroco do desequilíbrio, reflexo estrutural de um desejo que não alcança seu objeto, a expressão do paradoxal e fraccionário, algo pós-moderno, pós tudo e anterior a tudo, incluindo o indizível. A poiesis é a criação de outra realidade, a transformação do não-ser em ser no dizer de Platão.

Não esperem uma linearidade nos poemas de F.G.M., que confessa: “minha cabeça rolando na lâmina/ opaco/como os cacos/ de vidro no olfato”.  É o que devemos decifrar da leitura dos poemas deste livro, livre de qualquer presunção de reconhecimento do coloquial e do convencional.

Contracapa Antonio Miranda, poeta

Cápsula apresenta um mundo submerso no caos: segmentos da realidade social e humana são bruscamente justapostos na materialidade da página, transmitindo uma sensação de completa vertigem. De certo modo, o caráter fragmentado da obra constitui um retrato da também fragmentada sociedade contemporânea. Na maioria das vezes, o discurso tem um tom angustiante – o que significa dizer que a poesia de F.G.M. está assinalada pelo signo da inquietação. Nela aparece um sujeito lírico de caráter ambíguo que, ao mesmo tempo, adere e resiste à configuração do tempo hodierno. Extremamente imagética, o alento dessa poesia advém de uma fórmula que busca vincular os fatos corriqueiros do cotidiano a uma herança de aguda educação erudita. Trata-se, pois, de uma obra forte, tensa, vibrante e atenta a questões relevantes da contemporaneidade.

Escreve André Pinheiro